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domingo, 18 de setembro de 2011

Doses diárias de ilusão

Campina é um ótimo lugar para passear de carro durante a fria neblina que adormece sobre o Açude Velho, o símbolo máximo da cidade, o Açude Velho que pessoalmente mais me parece uma xerox colorida da lagoa (ou seria Lagoa?), cartão-postal da capital paraibana, Lagoa que não tem seu aroma de putrefação inalado pelos que tateam e veem aquelas fotografias antiquíssimas de aeroporto e rodoviária, se bem que falar de um é falar do outro aqui na Paraíba, perfume que também não é sentido quando o helicóptero da Globo Nordeste sobrevoa a Veneza brasileira no Carnaval. Um capuz de ilusão. Rezo para os que se aventurarem a ler esse texto sigam além das últimas primeiras linhas acima. É claro que a criação do Açude Velho tem sua origem alinhada a necessidade histórica de abastecimento de água e que muito provavelmente essa análise minha seja encarada como uma crítica de um estrangeiro. Há verdade na última frase. Há beleza no Açude Velho, uma beleza, que dentro da segurança de um automóvel e longe do todo o cotidiano dos mortais campinenses, é contagiante e ufanista.

Campina tem ruas muito próximas de algum lugar apaixonante visualizado pelos nossos olhos durante a exibição de um programa de tevê. Não vejo muito tevê. As câmeras não mentem, mas captam mentiras. Oh, por favor!, não desista da leitura! Prometo indicar uma bela canção que me foi indicada ou melhor que eu roubei, mas continua sendo linda assim mesmo (beleza vista pela beleza de quem me mostrou), chama-se “When the Day Met The Night” e é da simpática Panic! At The Disco. Aliás, eu escrevo todo este texto ouvindo Panic! At The Disco. O álbum? Pretty. Odd., escolhi, justamente, uma banda nova, em vez de cantores ou bandas conhecidas ou músicas ruins, ou música nenhuma. Sem influências conhecidas para descarregar minhas letras.

Enquato corri atravesando o sinal de alguma dessas ruas televisivas de Campina, eu li, vi, ouvi ou imaginei uma camisa do Flamengo, símbolo máximo do nordeste. Ah, que me perdoem os campinenses ou melhor que se danem os fanáticos e tediosos torcedores do Campinense e do Treze que tomam com mega-fones ruidosos e meia dúzia de buzinas, bandeirolas e camisas sujas de deformações locais a praça da Bandeira, e tomam a cidade com sua disputa ridícula, infantil, territorialista e suas frases cheias de ilusão e disparates. Na época eu que vi a camisa, o Flamengo vivia um momento ronaldiniano, mágico. Vivia sua ilusão. Lembrei do meu pai.

E olhem: Panic! At the Disco é muito bom. Escutem. Muito melhor do que os dez minutos de conversa minha nessa página. Preciso dos outros álbuns. De todos.
Nesse mesmo dia, vi uma revista dessas de fofoca e previsões de novela. A revista por alguma razão diabólica, angelical ou astrológica me esperou, e esperou em vão, pois não cogitei comprá-la: falava de um desastrado vaticínio apocalíptico de novela. Estampava cheia de cores, photoshop e letras garrafais, na capa, um final que não aconteceu. Não comprei a revista, não vi a novela (embora o Twitter tenha me informado do seu desfecho). A revista iludiu seus leitores. Achei graça imaginando que alguém tivesse comprado aquela edição da revista, acreditado em seu conteúdo e dado com os burros n’água. Uma pena.

Posso parecer impiedoso e desumano? Sim, estou longe de fazer um discurso preciso sobre a decadência do crer. A conjugação irrefreável desse cruel verbo adentra as portas da dúvida. Sopra por tempo indeterminado a incerteza. Dá fé. Dá ilusão. Tenho fé de não precisar olhar para as ruas sujas de pessoas socialmente excluídas. Tenho fé de não vê-las mais lá. Tenho fé de ver os sinais do centro de Campina funcionando normalmente, sem a necessidade de ficarem abertos antes das 22hrs para não comprometer a segurança dos motoristas que circulem por ali. Tenho fé de só ver verdades nas ilusões, mas se eu conseguir sobrepujar minhas enfermidades socias, o que diabos eu tenho com os problemas coletivos de minha sociedade católica e ignorante, do meu Brasil corrupto e ineficaz? Que todos corram de mim. Para bem longe. Quanto mais longe melhor. Não é assim que fazem os astutos, os coiotes da sociedade? Não é assim que a ilusão nos manda enxergar? Não, não é: assim enxergam os que veem ou creem ver sem os óculos da ilusão. Os que se iludem enxergar sem eles. Em determinada fase da vida todos enxergamos por suas lentes. A ilusão é o prato do dia: uns fazem jejum outros se saciam diariamente. Usei uma frase Gessingeriana (não é ele que fala em prato do dia em alguma de suas letras? Não é ele que vive falando em sinceridade? Ah, lembrei-me de um paradoxo: o título do seu primeiro livro é Pra Ser Sincero, semelhante a uma de suas canções, e ele mesmo escreveu “Se é pra ser sincero como não se deve ser, conte comigo”. Oras, não foi ele quem omitiu, em seus livros, seu atrito com Lulu Santos, as saídas de Licks e de Maltz, sua confusão com Renato Russo? Ah, talvez ele só tenha se iludido. Uma ilusão coletiva.

Meu pai sempre foi e é um flamenguista de carterinha: nordestino, homem, se esconde nos momentos de crise e briga pelo time, vibra e faz pouco de quem perde quando vence. Nunca tive a mínima vontade de ser flamenguista. Sempre cresci com as regras de que o Flamengo não serviria. Era feio, mau. Meu avô foi flamenguista, meu pai foi flamenguista, eu não fui. Sou sãopaulino. Sinto uma vontade tamanha de voltar no tempo e mudar as coisas. Uma forte ilusão de ser capaz de voltar no tempo e sentar ao redor da mesma mesa, sofá ou sala que meu pai e torcer abertamente para o mesmo time. Gritar com vontade o mesmo gol, sorrir, sofrer e chorar. Perpetuar a nossa mesma história.

Panic! At The Disco foi um ótimo companheiro, no final, eu mudei o título do texto. Pensei em escrever sobre meu mau-humor. Terminei por me iludir: ser capaz de escrever sobre um sentimento que absolutamente não vivo hoje. Culpa de quem me apresentou Panic! At The Disco e se mostrou perplexa com o título “Mau-humor”. Ela não me deu uma taça de mau-humor, mas de suco de laranja. Um brinde a tudo que conquistamos e as guerrilhas que vamos correr como bananões em busca de mais ilusão. Um brinde ao sorriso dela e a cor esmeraldina de seus olhos (embora eu não veja bem e defina equivocadamente as cores), eu acho-os lindo. Isso eu tenho certeza não ser ilusão. Só isso.

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