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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Eros e Psique

Os olhos parecem vagar. Fixam algo que só é desvendado ao usuário. A mente parece navegar em lembranças, o corpo sofre os delírios e castiga-se na realidade. O todo é absorvido e torna-se escravo. Com o mais atraente entretenimento, você tenta nem se envolver. Acaba preso em nome de um sentimento magnífico, único, transcendente, mágico. Aquele sentimento que faz o coração bombear mais rápido e com mais força, que faz as pernas bambearem e o nervosismo aparecer. Aquele mesmo que todos conhecem e quase ninguém conseguiu, consegue, conseguirá explicar. Esse que é mais fácil viver e doloroso de arrancar, de acabar, de dar um fim. Qualquer sentença que o estanque faz o corpo se martirizar. Qualquer mínimo momento de insegurança faz os olhos produzirem seu tesouro, e como um tesouro vagabundo, que não é seu, ele se desprende formando o que alguns tentam esconder e outros o sentem por dentro.
É esse que é cantado por poetas, que é clamado nos altos céus, que é sussurrado nas conversas e segredos indecentes dos amantes. É esse sentimento, não outro, que governa os humanos e, que não importa o que venha acontecer, existirá. Baterá. Chorará. Cantará. Governará. Que destrói vidas e uni corações. Que em busca dele muitos deram, dão, darão sua existência. E farão isso em troca da retribuição.
O amor. Tão doce, tão sublime, tão castigador. Que muda a realidade. Que deixa alguns optarem por uma existência qualquer, mas acompanhada. O amor que dá sentido a tudo. E onde muitos já perderam seus sentidos.
Que é provado nas cadeiras, nas areias, nos lençóis, nos suspiros, nos gemidos, nos choros, nas preces, no silêncio.
Pode ser vivido sozinho ou compartilhado, pode ser público ou íntimo, próprio. Não tem tempo de duração: pode/deve ser eterno, mas pode também ter vida de uma temporada, uma década, completar bodas de prata, de ouro, ou até durar bem menos que uma noite. E mesmo assim, sendo longo ou curto, torna-se inesquecível.
E quando tudo isso tem fim: dói lembrar, parece um castigo ter sido feliz. Os sorrisos não saem da cabeça, a bendita música, as fotos, as paisagens, tudo parece ter um pouco daquele que se foi. Que levou tanto de nós e deixou tão pouco.
E por um tempo as coisas não têm sentido, e até a vida tomar seu rumo à tristeza vai garantir existência.
“Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”

domingo, 16 de janeiro de 2011

Pra não passar da conta

Não me acho um bom comerciante de opiniões. As minhas são válidas, mas sou franco em admitir que na escola do convencimento, mesmo estando certo, sinto uma dificuldade.
A pauta da vez é a microssérie da Rede Globo, Amor Em 4 Atos, baseada nas obras musicais de Chico Buarque. Ou o próprio Chico Buarque. Com todo o poder de comunicação que a Globo consegue cobrir e surgindo logo após, um dos programas de maior audiência do Brasil, o sucesso de Amor Em 4 Atos veio. As pessoas reescutam Chico. Redescobrem. Não vou morrer de elogios pelo seriado nem do primeiro episódio eu gostei.

Tudo tem seu lado positivo: as pessoas vão ouvir mais Chico Buarque, que é um compositor excelente. Tão bom que chega a ser idolatrado sem máculas artísticas. O que eu não concordo. Como todo artista, Chico Buarque, tem seus defeitos e qualidades. Todos eles têm. O Leite Derramado ganhou o mais importante Prêmio Literário do Brasil, o Jabutti, em meio a um barulho grande. Não li "Se eu fechar os olhos agora", li, sim, críticas positivas sobre o livro. E muitas opiniões pro-Chico, pro-Silvestre. Foi àquela discussão em que os interesses foram levados em conta - quando eles não são levados? Cheguei a ler Leite Derramado que é um show de Língua Portuguesa, com um pano de fundo histórico e uma marcante história de amor. Não é nada de tão extraordinário, o lado feminino de Chico continua muito acentuado, com Matilde, a personagem feminina poderosa e "feita de quase nada" segundo Schwarz. Mas como disse o professor João Bezerra "ele enrola muito", e o próprio Chico admitiu isso, quando disse, que escrevendo a obra sem os delírios do protagonista, que iam-e-vinham, o livro teria umas vinte páginas. Ele mesmo falou do premiado livro, o classificando como "não é um mau livro". Então existe uma veneração fora dos limites em Chico?

Alguns não gostam de Chico como escritor, como cantor e, salvo alguns casos raros, como compositor.
Leite Derramado "não é um mau livro". E não é. Não é uma porcaria cheia de celulose e assinada pelo grande compositor Chico Buarque. É um bom livro. Tem lugar na minha estante. O que é embrulhante e irritante é essa louvação, e esse show de luta livre que se sucede após a premiação do Jabutti desmerecendo os Prêmios Literários do Brasil, Brasil que já possui uma Academia Literária desestimulante e vazia.